quarta-feira, 8 de julho de 2009

Tempo, tempo, tempo, mano velho...

Reflexões sobre o tempo em Sartre
Sidney Azevedo
As similaridades que encontrei entre o meu atual modo de encarar as coisas e o de Antoine Roquentin me forçaram a começar este texto. Se quisesse me livrar fácil da questão da pretensa universalidade do existencialismo poderia falar qualquer coisa sobre a projeção do leitor no texto ou me valer de algum bobo conceito de identificação. Mas esse maldito personagem sartreano me inquieta demais, principalmente agora.
Poderia ter acontecido, em alguma experiência futura, que a leitura de A náusea me revelasse um livro bobo. É essa uma relação com o tempo. Ou não? Não importa, deu-me vontade de falar do tempo e não posso perder o momento presente em um contato desaparecido com a idéia que eu queria escrever ainda há pouco. Pois a náusea surge, no livro, sempre que Roquentin se vê em angústia com o presente - se bem que náusea e angústia nesse livro são sinônimos. Sim, com o presente. O passado e o futuro são entes confortantes. E são bem isso: entes. Lá o passado se forma das coisas prontas, das idéias que basta convocar certo de que virão. O passado é fruto da certeza. E o futuro é outra criatura que vem com a certeza, a certeza das nossas previsões sobre o que aconteceria. Mas o tempo verbal futuro é enganador. Tudo o que para nós termina com "iria", "eria" ou "aria" só se torna possível por conta da veritas credente, a crença na verdade do discurso.
Embora o diário do pequeno-burguês francês seja repleto de referências ao sempre, ao nunca, àquilo que era e àquilo que será, temos noção de que essas coisas são transitórias, inconsistentes e que só mesmo o apego a elas nos seria capaz de gerar segurança. Porque a verdade toda é o presente, a existência breve e próxima, e que só escapando a ambos é possível ser o que se admira como "determinado". A covardia de fugir do presente é o que é louvado pela História, a de agá maiúsculo. Porque enfrentar o presente na radicalidade, reconhecer que há apenas uma sala em torno de si e um sem-número de equipamentos inúteis todos é classificado como loucura. Desde a moral kantiana temos um preconceito contra o presente: ela nos instiga a procurar entender o que se passa e prever as ações de outrem para agirmos conforme tornando em lei aquilo que a máxima da nossa vontade determina, ou seja, se baseia no passado de ações para buscar o futuro possível. Desde Platão sofre o presente: corpo e alma, terminologia que jamais deveria ter caído em relações metódicas, que estabelece paralelismos de realidade, um céu e um inferno inconcebíveis para além da mitologia metafórica de ensinamento. Não é à toa que Nietzsche exige a morte do átomo. Principalmente daquele que menos se considera, a alma. E a brilhante idéia que me surge agora: a alma é a consideração de um presente futuro, além vida, além do próprio futuro.
O caráter dessa palavra, inclusive, possibilidade, é já burguês (naquele sentido em que os comunistas falam). Nela, a capacidade de especulação determina a inteligência de alguém. E especulação é o jogo com o futuro, em que os mercados financeiros se apóiam negociando dinheiro que não existe. Sim, há níveis de presentidade, e qualquer coisa pode se tornar presente, mas quero falar tão somente do presente assustador, nausíaco, angustiante, de Sartre.

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