segunda-feira, 29 de junho de 2009

Encíclicas - I

Regula-mori

Régulo a regrar, rangendo o rango.
Uma régua passada na linha da fome
me impede o dinheiro de comer o nome.
Léguas a alegrar, sangrando langor,
a dor de uma ânsia em sorver que os outros,
ao fim, negam poder ter.

A presença não serve.
É só uma má verve de gente imberbe
à força de se falsear na janta!

Pois fome é uma benesse aos olhos
e grandes sombras feéricas atropelam
a regra da pavimentação:

O piso não serve!
É já piada ter chão!

um ponto de Eru e Dito

Jacson
Capital enlatado, corpo saturado

Sidney
Democracia demoníaca, em demônios abstratos:
cabeça capital que confirma bons monstros lá.

Jacson
Carpindo o capital capitarei a decapitação

Sidney
Afinal livre de cabeça saem do corpo as idéias
forçado que se vê falar enlatado e em suturas...

Jacson
Dez bostada a banda ira bala lança

Sidney
Crua idade com bicho grande, bicho grande chorão...

sábado, 27 de junho de 2009

A terra canta em direção à lua.
Um som sublime que só os loucos conseguem escutar.
Os lobos e os santos reconhecem a sinfonia de coisas,
que ligam os desajustes do mundo
num jeito único de contemplar.
Santos são os tem medo em frente ao espelho
e loucos são os que conseguem parar.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Pró, vá de Tica

Sei que as portas não trancam a(`) noite,
que os dentes não fazem fadas,
e os monstros comem gente.
E os outros?
Os anjos
engolem indigentes
Agora no fim, na raiz
no frio de desejar a carne
eu sai...
Da ética e profissão
Quero o imoral e a imensidão.
Do jornalismo e futuro
Quero a baixaria e o passado.

Quero a morte que do rosto teu cai!

Nova cara, novos atores e novos autores

O Lente ganha caras novas e passa a enxergar melhor a partir de agora. Deixou a miopia de lado e segue, tateando, em busca de passos menos sóbrios e concisos. Passa a ser um boêmio a procura do melhor lugar para se estar só na madrugada da chuvosa mediocridade.

Segue-se assim, não mais uma linha, e sim uma teia repleta de predadores, ou melhor escritores, que nada mais querem do que ser ninguém e estar além do que se pode esperar.
Boa sorte às poesias, aos aforismos, às crônicas e toda a espécie de manisfestação casual e permanente de literatura. Deixam de ser um pedaço de carne neste espaço e se tornam as mais nobres manifestações de humanidade.

Para nós, pessoas comuns, sentir e degustar boas palavras, boas ideias e péssimas intenções.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

"Aforiotopia Literária"

Como algo que traz a simplicidade e a complexidade, ao mesmo tempo, o aforismo tem sido uma boa lente para se discutir e criar literatura. Mais do que qualquer coisa, a riqueza metafórica usada para moldar uma frase faz com que o estilo seja peculiar e exija muita interpretação do leitor.
Há quem tenha estômago para tanto e os indigestos. O que importa é a sinfonia de coisas se arranjando para dar continuidade às atividades do Lente, que seguirá cada vez mais literário.
E para não perder a oportunidade:

"As grades de estanho aguardam tornar-se galinhas."
Sidney de Azevedo

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Inesperado

Vivo num aquário cercado por gafanhotos de metal.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Aforismia

Acho que já é hora de criar um manifesto artístico... Aí está meu mais recente aforismo literário:

Um percevejo não se sente à vontade para escalar a unha enquanto percebe espiar do alto uma cabeça pétrea.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Ainda na linha dos aforismos

Não quero ser a única neste espaço a ditar frases curtas. Busquei então na internet alguns autores e gostei do que publicou a escritora catarinense, e colega de jornalismo, Jessikha Todt.

"Eu atropelei a sombra do pássaro".

Saio eu agora, em busca de novos ditadores, de palavras. Ok?

Regra

Aforismo é a arte de deixar as páginas em branco. Lá no final, dita-se:"meu cinismo ainda é maior".

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Já que não tenho aforismo...

Pensei seriamente em trazer um aforismo a este blogue, mas por raiva de mim próprio, insto em pôr um trecho de A náusea, de Jean-Paul Sartre, uma tentativa extremamente bem sucedida de mostrar que existencialismo não depende, necessariamente, de conceitos abstratos, e sim de sensações, que, sejam lá como forem interligadas, nos fazem conhecer a nós próprios e o pouco que resta a saber do mundo.

"Mas sucede que me aborreceram demais com esse tipo de coisa em minha juventude. No entanto eu não pertencia a uma família de profissionais. Mas existem também os amadores. São os secretários, os empregados de escritório, os comerciantes, os que ouvem os outros no café: sentem-se inflados, ao se aproximar dos quarenta anos, por uma experiência a que não podem dar vazão. Felizmente fizeram filhos e obrigam-nos a consumi-la ali mesmo. Gostariam de nos fazer acreditar que o passado deles não se perdeu, que suas recordações se condensaram, convertendo-se suavemente em Sabedoria. Cômodo passado! Passado de bolso, livreto dourado cheio de belas máximas."

Toda descrição é cínica. E tentar descrever o cinismo que essa revelação nos provoca é só um pouco menos cínico.

"'Acredite-me, estou falando por experiência, tudo o que sei foi a vida que me ensinou.' Teria a Vida se encarregado de pensar por eles? Explicam o novo pelo antigo - e o antigo, eles o explicaram pelos acontecimentos mais antigos ainda, como esses historiadores que fazem de Lênin um Robespierre russo e de Robespierre um Cromwell francês: no fim de contas, nunca entenderam nada de nada... Por trás de sua importância adivinha-se uma preguiça melancólica: vêem desfilar aparências, bocejam, acham que não há nada de novo no mundo. 'Um velho maluco' - e o Dr. Rogé pensava vagamente em outros velhos malucos, sem se lembrar de nenhum em particular. Agora, nada do que o Sr. Achille fizesse nos surpreenderia: já que é um velho maluco!"

Já que é um velho maluco. Já que. É uma expressão de definição. E arbitrária. Pois está na mão de outrem decidir o que será algo. E nos altera a percepção das coisas conforme queiramos. Dá-nos poder e no-lo tira, como se não existisse. Mas espanta que seja cínica na construção da verdade, a fazer dela algo, e não nos permitindo conhecê-la.

"Não é um velho maluco: tem medo. De que tem medo? Quando queremos entender alguma coisa, colocamo-nos diante dela, sozinhos, sem auxílio; todo o passado do mundo de nada adiantaria. E depois ela desaparece e o que pudemos entender desaparece com ela."

Medo de acertar os ponteiros... E só.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Transeunte

Uma mão que aquece o tempo e faz brotar têmporas do vento.
No entanto, a fosforescência na terra mostra a perfeição dos vermes.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Vago

O vento sopra, levando consigo o último grão de poeira que aqui habitava. Não há mais resistência.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Aqui do lado e poucos viram...


Uma das mais velhas tradições literárias é a do chamado trovadorismo ibérico. Sem início definido, eram canções, e por isso sua forma "textual" é a poética - só a título de comparação, em muitas músicas do sertanejo dito de raiz é comum associar o versar em música à poesia (noção que a escola de vertente acadêmica faz questão de nos extraviar a não ser no caso da ópera). As temáticas eram veramente prosaicas (quase sempre episódicas) e tinham um universo limitado, permanecendo na vila onde eram criadas, falando desde acontecimentos curiosos, nojentos e engraçados sem personagens até biografias de personalidades (não propriamente pessoas "poderosas", veja-se bem) do local.

Pretendo apresentar aqui um grupo de estrofes de poesias de pessoas que moraram na região do vale do rio Itapocu entre 1920 e 1960 que apresentam características surpreendentemente similares às do trovadorismo ibérico. Pode ser que algum estudante de letras venha cá me chamar de herege por pôr poesias "prosaicas" ante o trovadorismo, mas acho que esse também foi um movimento natural da literatura, assim como em todos os lugares as pessoas contam umas às outras historietas para passar a noite.

A maior parte não tem título, e se disponível data e autor, serão colocados abaixo:

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"Pegaram o santo pelos pés
E afundaram na aguardente
Tomaram três santantonhadas
E lá ficaram indolentes"
Antônio Caetano (Limoeiro) - sem data

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"Um roubo de vacas se deu
Lá pros lados de São João
Só conseguiram decidir
Quem lá ia pra prisão"
Marta Sousa (Porto do Itaperiu) - 1932

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"Era gente inocente
Os que foram pra Cadeia
E o Chico comprou a guarda
naquela mesma sexta-feira

'Compra não, Chico!'
Gritaram lá da cela
'E vão soltar vocês
Sem nova fivela?'"
Antônio Caetano (Limoeiro) - 1932, sobre o mesmo fato da poesia acima.

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"Aqui tem igreja pra branco
E também igreja pra preto.
Escola, hospital e cartório
Tudo dança no mesmo coreto."
Cecília Ramos (São João) - 1922, sobre uma condição social da vila.

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Talvez seja reflexo do momento Suassuna que vivo, mas gosto cada vez mais destas poesias.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Esquivo

Porque sou ente?

Deixo correrem as sombras de dentro para fora de casa. Deixo choco o café para amanhã. Decidi não ter o direito de sorvê-lo quente, como todos fazem. Privo-me então, por companhia, do açúcar. E age o vento lá, a correr sem ter porque.

Sidney de Azevedo
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Deixo que minha voz sem corpo seja emitida. Aguá seca a escorrer mergulha entre meus olhos. Privo-me da carne antes farta. A cama aprisiona-me. Curta chuva de domingo. E eu sem gazua.

Jacson de Almeida

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Deixo que as palavras me prendam. Libertam-me enquanto sentem.
Mais humanas do que as sombras e mais cruéis do que o sol.

Gisele Krama

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Um alerta...

Águias não caçam moscas...

Quel horrare!

Mamãe, como escrever sobre um sentimento sem ser necrófilo? Explique-se... É que o sentimento é uma idéia que morre transposta em ser palavra. Se seguires a lógica... Não quero saber de lógica!, quero conhecer o mundo e saber se dele posso ter algum sentimento. Não o compreendo... Deixe para lá!, ninguém entende.
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Anômalos

Jessikha W. Todt

Me revolta a falta de ação,
Então lhe entrego a faca e peço que corte minhas mãos.
O sangue que suja não voltará às veias.
As veias secam.
Nada se altera.

As mãos apodrecem na calçada.
O fedor entorpece.
A náusea beira alucinação.
Os que passam fingem não sentir,
E os que sentem parecem que não passam por ali.
Nada se altera.

O tempo faz desaparecer a carne.
Os vermes se transformam em lindas moscas, e voam até outros mortos.
Os restos, os ossos, são arrastados pelos vira-latas.
Agora são brinquedos de cãezinhos famintos,
Perdidos em todas as esquinas
Roendo, roendo os últimos vestígios.
Para sempre esquecidos.
Nada se altera.

E um corpo sem mãos caminha.
As veias secas.
A boca muda,
Grita por onde passa com a voz do silêncio que acusa,
Os mutantes sem ouvidos,
Os mutantes sem olhos,
Caminham com as mãos intactas nos pulsos.
As veias inchadas de vermelho.
Mutantes possuem muitas veias,
Prontas para explodir.
A hipocrisia famélica rondando,
Amimando os mutantes envelhecidos
Que lembram alegremente do passado longínquo,
E esperam ansiosamente por um futuro imprevisto.
Nada se altera.
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Uma campa aguarda a apatia. Mas a apatia não vem, só deixa corpos aí no seu futuro lugar antes do final juízo...

Aquila non captat muscas.

Ponto

O que é ser marginal senão estar fora da cogitação comum? Tornar marginal o espaço público é o meio de quebrar a propriedade privada, que é só o que força à necessidade de um lugar onde as idéias possam conviver sem limites. Democracia? Só o próprio pensamento naquele que pensa.
Poesia que se limita a ser bela esgota-se num abstraccionismo vulgar. É preciso tornar marginal o que é igual, previsível e tranqüilo demais. À margem, o espaço público é uma sombra maldita, uma alcova onde se articulam as forças de repressão sobre o pobre que quer, tão-só, gritar e chorar!
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O soldado, com sua perna na cabeça, luta para sobreviver
Sabe das idéias da marcha lenta
Eu, com a caneta na mão, luto para cair
Os soldados descem o abismo para chegar a mim
Longe se anda com a perna na cabeça
No lugar dos pés as mãos
Ele anda sobre minha corda
Nem medo, nem sonho sente suas lembranças
Tanto faz se hoje estou morto sem pernas
Fica tudo assim sem sonhos

Jacson de Almeida
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Debater-se e não se querer salvar ao direito de uma vida comum de padre sem espiritualidade, de poeta sem sentimentos, de ator sem expressão, de amante rancoroso, de filósofo sem sonho... Estar sem pernas não é o problema. É-o, e grave, não poder gritar, por ter sobre o pescoço um pé inexorável.

Absente vino, nulla tunc adest Venus.