segunda-feira, 8 de junho de 2009

Aqui do lado e poucos viram...


Uma das mais velhas tradições literárias é a do chamado trovadorismo ibérico. Sem início definido, eram canções, e por isso sua forma "textual" é a poética - só a título de comparação, em muitas músicas do sertanejo dito de raiz é comum associar o versar em música à poesia (noção que a escola de vertente acadêmica faz questão de nos extraviar a não ser no caso da ópera). As temáticas eram veramente prosaicas (quase sempre episódicas) e tinham um universo limitado, permanecendo na vila onde eram criadas, falando desde acontecimentos curiosos, nojentos e engraçados sem personagens até biografias de personalidades (não propriamente pessoas "poderosas", veja-se bem) do local.

Pretendo apresentar aqui um grupo de estrofes de poesias de pessoas que moraram na região do vale do rio Itapocu entre 1920 e 1960 que apresentam características surpreendentemente similares às do trovadorismo ibérico. Pode ser que algum estudante de letras venha cá me chamar de herege por pôr poesias "prosaicas" ante o trovadorismo, mas acho que esse também foi um movimento natural da literatura, assim como em todos os lugares as pessoas contam umas às outras historietas para passar a noite.

A maior parte não tem título, e se disponível data e autor, serão colocados abaixo:

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"Pegaram o santo pelos pés
E afundaram na aguardente
Tomaram três santantonhadas
E lá ficaram indolentes"
Antônio Caetano (Limoeiro) - sem data

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"Um roubo de vacas se deu
Lá pros lados de São João
Só conseguiram decidir
Quem lá ia pra prisão"
Marta Sousa (Porto do Itaperiu) - 1932

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"Era gente inocente
Os que foram pra Cadeia
E o Chico comprou a guarda
naquela mesma sexta-feira

'Compra não, Chico!'
Gritaram lá da cela
'E vão soltar vocês
Sem nova fivela?'"
Antônio Caetano (Limoeiro) - 1932, sobre o mesmo fato da poesia acima.

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"Aqui tem igreja pra branco
E também igreja pra preto.
Escola, hospital e cartório
Tudo dança no mesmo coreto."
Cecília Ramos (São João) - 1922, sobre uma condição social da vila.

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Talvez seja reflexo do momento Suassuna que vivo, mas gosto cada vez mais destas poesias.

2 comentários:

Gisele Krama disse...

Isso me lembra muito a Literatura de Cordel. O arranjo dos poemas e a brincadeira com a música.
Enfim, um duelo entre as palavras e os sons.

Sidney Azevedo disse...

Tecnicamente falando, estas poesias pouco têm a ver com os cordéis, pois não obedecem a uma rígida construção silábica (redondilha, seis estrofes de sete versos, de doze sílabas e por aí vai...) como às daqueles.

Mas acho que essa similaridade que encontrastes será facilmente percebida em qualquer canto do mundo onde se fale português.